Crítica: Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera


A paz, sossego da alma, surge em catarse por objetos comportamentais que elitizam a sensação reconfortante da mente, isto é, elevam ao status limítrofe de recompensa honesta quando há, sem hipótese de controvérsias, a honestidade dos atos. Nela, em igualdade irreparável, reside a limpidez dos pensamentos que por meios brandos ou não, a depender das próprias atitudes, se conquista a esfera do imaterial, irreal, pela sensação benévola do mérito conquistado.

Em experimentos infindáveis pela busca do manual da vida, o qual mais se soma em páginas do que em leitores, há um retrocesso honesto - e com esta única alternativa ele se torna válido - de encontrar na base comportamental da natureza argumentos mais sábios e menos hostis à persona do homem.

Em resultado, emerge em significados todos os pensamentos e atitudes disparados em favor da interpretação do nosso ego, alternativas que mostram-se muito válidas para entender o que até hoje se busca como enigma maior de nossa inquietação: quem somos, como chegamos aqui e, principalmente, o que nos é correto fazer?

Pode parecer um mergulho no escuro, mas em Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (Bom yeoreum gaeul gyeoul geurigo bom, 2003) por muitos momentos nos parece esclarecer com sábia leveza que a complexidade, sobre o que quer que seja, não é um fato, e sim um ponto-de-vista. Esta experiência exclama com grande clareza poética o poder da interpretação sob a história que nos surge a frente. Umas das forças inquietantes imprimidas neste filme são os significados e interpretações, como forma de entender e responder às problemáticas recorrentes.

Exemplificando um destes significados, encontra-se a forma como a sua linguagem é apresentada, exercendo além de uma simples comunicação explicativa, uma carga de autoanálise, uma vez que a carência provocativa de diálogos exprime que o ato de falar não é o meio mais sensato de concluir o caráter ou índole de qualquer ser humano. Esta genialidade prossegue como auto referência, em cenas que chamam a atenção às ações do monge protagonista, tornando-nos cúmplices e auto julgadores de sua condição de culpa. Como saída falha à sua redenção, nem mesmo a crença vazia preenchida por egoísmo desperta em sua mente qualquer sentimento de paz.



Por outro lado, a se considerar a condição do monge-aprendiz como réu, abre-se espaço em sua defesa pelo fato de que o pecado ou o imoral, simbolizados pela crueldade com que mata os três animais e pela inconsequência com que tem em sua libido, são métodos instintivos e sem a consciência do mal, e poderiam, em primeiro ato, jogar em prol da ausência de sua culpa. Isto busca representar em maior escala que há sim um paralelo que alterna entre a não-culpa pela falta de consciência e o seu revés quando o conhecimento e o ensinamento já se fazem presentes.

Novamente utilizando dois tipos de linguagem, a oportunidade de reparação dos erros do monge-aprendiz é apresentada pelas palavras sábias de seu mestre, além da penalização a si pelo ato, provando do mesmo método com que matou os animais. Em conclusão, isso possibilita a percepção de igualdade entre homem x animais, com a diferença de que a consciência do homem pode impulsioná-lo ao sentimento de culpa, o que neste caso se exprime como "carregar a pedra eternamente em seu coração".

Com aparente simplicidade narrativa, a condução vai assim somando consequências de uma história que não é complexa, porém muito profunda. O clima sensorial é elevado ao destaque, aguçando a necessidade de sentir por meio da empatia se as consequências apresentadas são válidas. O fator primordial que contribui para a dúvida em sua missão maior, apresenta-se interpretativo ao espectador, uma vez que nos é dada a difícil tarefa de compreendê-lo com pensamentos 'inferiores', os quais não contribuem para entender o principal ponto do filme.

Outro fator despertado no filme que se mostra interessante, é o poder de imersão que ele sugere do ponto de vista psicológico da trama. Uma vez que ele apresenta rapidamente o caso principal de sua história, tudo parece funcionar sob diversos ângulos interpretativos e conclusivos, a depender do ponto-de-vista com que se analisa a obra. Isso não quer dizer que qualquer conclusão seja procedente partindo do objetivo central de direção, porém aceita que possa ser concluído positivamente sob vários aspectos.

Nesse sentido, a forma mais 'leve' de compreendê-lo é mesmo aquela que nos surge em urgência à mente: uma história contada com muita calma, porém muito consciente, que envolve em narrativa e nos conquista com imagens de beleza quase irreais. Sob outro modo, parece também ser fácil entender que o que se pretende mesmo é passar uma grande lição de moral, onde a imparcialidade seria eliminada para adotar uma alternativa. Dessa forma e compreendendo a autoria empregada durante todo o filme, parece mais adequado e compreensível entender que seus propósitos são maiores: misturando elementos recorrentes que conduzem nossa moral, como religião, materialidade e psicologia, são dadas diversas alternâncias para compreender os erros e acertos escondidos numa história crua de desejo, punição, conhecimento aprendizado.



Seria fácil resumir esta obra de direção primorosa do sul-coreano Ki-duk Kim em um filme simpático, com uma história de quase dois únicos personagens em meio à uma fotografia belíssima, esta última confundida pela verdadeira beleza do local onde o filme se passa. Mais que isso, embora funcione de várias formas, compreendê-lo de tal forma pode significar uma perda de conteúdo sem igual.

É com postura honesta de uma reavaliação de conceitos que talvez se possa responder melhor à proposta do longa. Por isso até que tentar entendê-lo não passa por minuciar os pormenores, as cenas, os aspectos técnicos como meios de concluir sua competência. Neste sentido, o oriente entrega uma história bela e tocante, em que sua sinopse pouco descreveria sobre sua capacidade. Um monge aprendiz retirado à uma casa ilhada à um lago cercado de montanhas, predisposto a aprender os ensinamentos e valores para o equilíbrio da mente sob a visão de Buda, é o estopim para, sem alardes, envolver polêmicas sobre a carne e tentações que levam a um assassinato.

Aí, a se entender o estranho título que o filme carrega, é possível compreender a simbologia sobre o que na verdade é o ciclo da vida, e uma possibilidade surge como saída à maior interpretação da vida do pequeno monge: o conhecimento e a religião são válidos como alternativas de autoconhecimento, as quais devem, sem exceção, respeitar a ordem natural das coisas. Sob este ponto de vista, o réu em questão, embora tomado por conhecimento teórico e espiritual, pode agir sem punição humana por seus erros, pois o tempo, em conclusão à este ciclo, dará a ele próprio a incumbência do autojulgamento.
 

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