Crítica: O Lugar Onde Tudo Termina


Já diziam os sábios que o homem é tão misterioso que nem ele mesmo consegue conhecer-se por completo. A sequência deste filme é assim fatiada em três momentos para protagonizar um caso, sem centralizar em qualquer personagem. O filme resolve-se inteligentemente para narrar-se com uma ideia ágil, e por mais que os personagens quase-protagonistas tenham muito carisma, eles jamais são tratados como astros na história.

Segue assim, quase que por consequência, uma história de um vilão sem nome e de um herói sem identidade. Ambos, na verdade, não existem ou ao menos não estão explícitos nesta jornada, que norteia-se pelo viés da ação/reação.

Luke (Ryan Gosling) é aquele que inicialmente pensamos ser o centro de nossa história. Um motociclista acrobático, envolto à uma personalidade forte marcada pela força de suas maiores fraquezas, onde preconceituosamente procuramos apagar qualquer possibilidade de ali residir um coração. Luke não sabia que tinha um coração, imaginando até então poder orgulhar-se somente da boa intenção que ele guarda em sua memória, tão inacessível para os outros quanto para ele mesmo.

Marginal da vida, Luke persegue um rumo inexistente, trocando a vivência pela sobrevivência. No entanto os fatores se alternam quando descobre que tem um filho já de um ano com Romina (Eva Mendes). É o início de seu maior auto-conhecimento, das atitudes que morais ou imorais objetivam uma razão maior, e esta ninguém pode contestar ou afrontá-lo. Em seu filho Jason reside, como exclusividade de qualquer pai, a sua mais pura razão de viver.

Seu passado inconsequente, onde numa noite qualquer o destino tomou pra si a tarefa de decidir por Luke, guarda os erros que de modo urgente ele tenta reconquistar a ordem. Incapaz de presentear a sua própria vida com uma atitude benéfica, ela mesma o dá a chance de redimir-se para consigo. É pequeno e intenso o tempo da reaproximação do casal, ardente por definir as visitas para o garoto. O Lugar Onde Tudo Termina (The Place Beyond the Pines, 2012) é o limiar entre a consciência de Luke e as descobertas em si que teria num futuro breve.

  

O que fica muito bem elaborado até então é a habilidade de construção deste primeiro ato de Luke, como terreno da história que pauta-se em ação-reação-consequências. Cada um destes polos narrativos é um personagem, e Luke representa somente a ação.

Perdido em si, a soma de um motociclista renomado com um pai inconsciente de seus atos devolve a ele o saldo negativo, e o pagamento é feito com o pouco de valor que lhe resta. Assaltar bancos deixa de ser um ato criminoso para tornar-se, ao menos para ele, justificável. O local-título seria o passo limítrofe entre a decência e indecência dos atos, a capacidade ou falta dela para manter em prática comportamentos até então defendidos em teoria. Esta história quer abordar, dessa forma, a auto-corrupção.

A figura de Jack (Bradley Cooper) surge como resposta à ação. De personalidade invertida, agora acompanhamos comportamentos similares de um egoísmo que parece querer se mostrar natural da vida. As conclusões precipitadas que tínhamos sobre Luke perdem coerência quando em pouco tempo Jack nos prova que a figura justiceira e heroína de um policial precisa apenas de uma chance para ser alterada. O chavão "a ocasião faz o ladrão" justifica bem os dois atos.

A consequência de um policial corrupto da verdade é a sua perturbação interna. Representante da reação, é interessante como podemos perceber o efeito cascata representado tão bem, passível de uma análise neutra e não tendenciosa, que unicamente confronta momentos e personagens antagônicos para uni-los em semelhança quando a oportunidade lhes convém. Profunda análise proposta por um roteiro eficaz, aplicado pela direção muito consciente de Derek Cianfrance (Namorados Para Sempre).



Não fosse esse senso de localização do diretor, vamos assim dizer, a complexa história poderia se perder sem maiores esforços. Assim como seu filme estreante mencionado acima, cada plano de cena é pensado como consequência de atos, e dessa forma não percebemos cenas gratuitas. Derek não propõe um novo jeito de fazer filme, mas enaltece uma outra forma de se analisar uma história, que em suas mãos ganham poderes interpretativos e deixam-se concluir por cenas que nem precisam ser filmadas. Em outras palavras, conseguimos compreender a história e os personagens muito além do que as cenas nos mostram.

Outro destaque do filme é a aproximação entre os limites de escolhas, isto é, durante a história são abordados pontos de decisão aos personagens, medos, atitudes que precisam ser tomadas em situações difíceis, quebrando assim um pouco da distância para o que o senso comum entende por correto. Roubo, crime, mentira, drogas e corrupção são algumas atitudes incalculadas que ficam a mercê de uma oportunidade para entrar em cena. Sem banalizá-las, são todas bem utilizadas como fator construtivo à história.

No terceiro ato - talvez não precise sintetizar os por quês - desdobra-se a consequência das ações de Luke, amarradas pelas atitudes certas e erradas dele e do policial em seus respectivos filhos, já em suas fases de adolescência. Não menos envolvente, fica a cargo de Jason, filho de Luke, e Kofi, filho de Jack, não somente concluir como dar continuidade ao ciclo de atitudes que permeia a aplicar os seus ensinamentos e fazer deles as ferramentas para a busca por justiça.

É onde certo e errado, moral e imoral se confundem como peças que na verdade jogam juntas em qualquer personalidade para formar o caráter do homem nos momentos de afago, onde aplicar os bons modos torna-se tarefa fácil, e também nos de dificuldade, quando escolher as ferramentas para consertar seus problemas pode depender muito mais da disponibilidade para usá-las do que simplesmente da própria vontade.




 

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