Crítica: Fargo - Uma Comédia de Erros


À soma de suas conquistas, Joel e Ethan Coen acumulam argumentos de roteiro e direção que os rotulam entre a fatia dos bons cineastas da atualidade que produzem o que muitos chamam de "cinema puro". Estes argumentos, os verdadeiros troféus conquistados pela visão particular que vêem ou apresentam suas histórias, são o montante vitorioso da carreira dos irmãos, que se tivermos que resumi-los em poucas palavras, representam a capacidade de contar as mesmas histórias banais com trejeitos e elementos únicos dos irmãos Coen.

Você sabe quando está vendo algo dos irmãos. Não que isso seja o maior dos elogios - e não é -, porém eles também se equilibram em uma linha narrativa, ou, em palavras fáceis, mostram-se amarrados à uma postura cinematográfica marcante e que os referencia. Isso é bom, obviamente, afinal entre as grandes missões de um diretor está a tentativa de ser reconhecido nas cenas, mesmo que delas não de tenha nenhuma participação interpretativa. Esse encontro de uma possível sinergia artística é menos recorrente, é de exclusividade daqueles diretores que alcançam a diferenciação pela capacidade de reconstruir o cinema, desmontar as regras e mostrar que há uma alternativa mais sábia de apresentar um conto.

Deste filme do início da carreira de Joel e Ethan se percebe então estas conquistas referenciais, que não foram e nem são a salvação ou revolução da sétima arte, mas os destacaram ao merecimento de que muitos dos seus filmes são hoje alternativas sempre mais honestas de se apreciar o cinema. Mesmo que não despontem no rol da popularidade hollywoodiana - e é pra lá que eles não querem ir -, suas obras encontram em si a regularidade, ainda que sem cair na mesmice, de apresentar seus trabalhos com saldo bem positivo aos seus espectadores.

Em seu terreno narrativo, Fargo - Uma Comédia de Erros (Fargo, 1996) tem boa parte daquilo que se percebe em outras de suas obras. Joel e Ethan argumentam que nem todo drama do cotidiano deve ser visto do mesmo ângulo, que há escapes às suas explicações, e a originalidade em envolver e apresentar propostas narrativas são a peça chave de sua missão maior. Assim, como em Fargo e demais oportunidades, o thriller toma frente para munir sua história de suspense investigativo, escoltado pela comédia notória que nos sorri à simpatia, ainda seguido por personagens construídos por segredos apresentados com boa dose de cautela e ousadia.



A direção de Fargo nos induz à uma visão out, de fora, sem carecer de apego à personagem de ninguém. É um filme de visão macro, que clama atenção ao todo, às diferentes peças do quebra-cabeça que nem sempre montam-se da forma mais óbvia. O interessante então é notar que o jogo simples a que tudo se remete não necessariamente deverá conter elementos também óbvios. É aí que reside a mão da direção.

Fargo é uma pequena cidade na Dakota do Norte, EUA, daquelas que nada acontece, tem um xerife que põe ordem na casa quando precisa e blá blá blá. Surge a figura de Jerry, um endividado que bola um plano de arrumar uma grana: contrata dois ex-presidiários para sequestrar sua própria mulher, a fim de pedir o resgate de 1 milhão para seu sogro, que resiste em emprestá-lo. Nisso, os sequestradores são enganados a acreditar que o resgate sairá por 80 mil, dividido entre eles e Jerry.

As coisas desandam entre os sequestradores e tudo dá errado, até cair nas mãos da investigadora da cidade Frances Mcdormand, e o que era para sair como uma resolução simples e sem vítimas, ganha proporções maiores. Abre-se espaço ao absurdo, entre a tragédia e a comédia, não com importância maior na história, mas como construção dela própria. As mortes, recorrentes também nas recentes obras dos Coen, não hesitam em ocorrer, e tudo fica mais complexo e cômico, pela própria versão do problema.

Não muito além disso, Fargo vai pontuando as primeiras acertadas dos iniciantes cineastas. Falta, ainda assim, após bem enrolar seus elementos, a capacidade de tornar o caso degustável às explicações da trama. A mesma habilidade mostrada para construir, não pôde ser notada para desconstruir o problema. Ainda que vários filmes casem bem com finais rápidos e surpresos, por aqui talvez não seria a melhor saída.



Tudo não precisa ser de complexidade exagerada nem simples em demasia, apenas coerente e equilibrado em manter em começo-meio-e-fim certa cautela para não ser auto-comparado pela alternância de momentos num mesmo filme. Os Coen parecem apresentar nesta obra algo abaixo do que já tinham feito com o excelente Barton Fink, e que voltariam a apresentar em O Grande Lebowski, Onde Os Fracos Não Tem Vez e Bravura Indômita.

Na atuação, que não tem destaques absurdos, fica bem pontuada a escolha por atores, com William H. Marcy no papel principal de Jerry, com seu trejeito de derrotado, vendendo-se como um enrolado e incapaz de tomar as decisões mais geniais. Do outro lado, Steve Buscemi como o sequestrador Carl Showalter, outro incapaz ao deleite de uma vantagem cerebral.

Roteirizado pelos próprios diretores, Fargo é sujo ao mentir em créditos iniciais que sua história é real. Talvez mais uma comédia obscura dos Coen, ou talvez além disso mais uma aparato para cativar a atenção à história simples com momentos incomuns que segue. O fato é que há mais apostas para se ver em seus trabalhos, e entre os seus filmes Fargo triunfa entre as boas escolhas.



 

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