Crítica: A Árvore da Vida


O cinema que o diretor Terrence Malick propõe é para poucos. Essa intenção audaciosa e ambiciosa entrega uma versão de poesia filmada, palavras transpostas à tela em desordem narrativa, uma não-intenção de atingir o lugar-comum, ao interesse de ressaltar a experiência sensorial de uma narrativa pouco observada. A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011) é uma saudação à vida, um filme disposto a mexer com crenças e dogmas, e é um bom convite ao ato de pensar.

Este ato, inclusive, é exigido em todos os minutos de projeção. Iniciando sua narrativa com a apresentação de seus personagens e seu contexto, o diretor toma o sentido inverso de Kubrick em 2001 – Uma Odisséia no Espaço (2001 – A Space Odissey, 1968), e volta na história para encontrar razões para narrar o drama da família central. É exuberante e marcante, entre imagem e som, a escolha de narrar o tempo somente com imagens, como se a ausência do homem naquele momento o tornasse incapaz de realmente narrar a origem de sua história e do próprio local onde vive, cabe a natureza narrar-se por si só. Dotado de invejável paciência e inteligentemente interessado na imersão de seu espectador, Malick atravessa essa história mostrando o Big Bang, numa sufocante apresentação visual, até passar pela era jurássica e seus dinossauros e imergir no evolucionismo com a origem da vida marinha, concluindo sua visão darwinística.

De poucas narrativas em off, o diretor exclama uma atenção ao natural, à apresentação da grandiosidade, à percepção de inferioridade e – quase – insignificância de quem pretende extrair dessa experiência um resultado mais palpável que sua própria dúvida, sua incerteza sobre si.

De fotografia perfeita, Malick garante a mesma qualidade visual proposta em sua minúscula filmografia. Com takes característicos, o filme busca ângulos perfeitos, seja em tomadas aproximadas para mostrar em detalhes a beleza daquilo que é natural, até tomadas aéreas, tão distantes que por vezes se percebe referência a 2001. O que é pertinente ressaltar, antes de tudo, é que Malick é um filósofo de profissão, professor universitário, que faz, em média, um filme a cada dez anos. Para ele, nada parece mesmo ser mais importante que ir à contramão do que pede um roteiro conveniente, e tentar encontrar em situações simples e reflexões grandiosas, um sentido à inconveniente noção de desordem humana.


 
Não é fácil assistir ao filme, isso é notório. Fato é que é possível admirá-lo, senti-lo e mesmo assim não saber ao certo o que tudo quer dizer. Por vezes, pode ser recorrente a dúvida em saber se toda essa experiência foi proveitosa, enriquecedora, ou uma bagunça incapaz de encontrar coerência em sua linguagem. O tom de profundidade fica a cargo do espectador, não se observa interesse em manter uma história conveniente, do tipo “curva de sino”. Essa profundidade é relativa, necessita-se dotar de um interesse verdadeiro e insaciável para, com alguma felicidade, concluir em nexo as intenções aparentes dessa obra.

Fora toda essa análise que parece apresentar um filme confuso, A Árvore da Vida, ainda assim, é simples em diversos pontos. Pautado numa visão predominantemente religiosa, tem-se, quem sabe, um dos melhores filmes a respeito do assunto, com um importante interesse em manter a imparcialidade, não se mostrar tendencioso a ponto de julgar o que é certo ou errado, enfim, de querer impor argumentos nem tão digeríveis por boa parte dos espectadores.

Como centro narrativo, a história busca revelar a relação de pai e filho, com a criação dos filhos alternando momentos de severidade e compaixão. A jornada se intenciona em finalizar-se na busca do perdão do filho para com o pai, diante da vivência arrependida do jovem central da trama. É curioso perceber que, ao iniciar a apresentação, o filme logo desdobra-se a revelar que "o homem ensina que a vida segue dois caminhos: o da natureza e o da graça". Posteriormente, vemos notoriamente essa divisão na criação dos filhos. O pai é uma figura centralizadora, severa, punidora. A mãe, contudo, é o lado maleável, que exerce seus ensinamentos com mais compaixão. Não curiosamente, essas figuras buscam interpretar a citação inicial do longa, ao qual resume que a felicidade pode ser alcançada em ambos sentidos, mas a escolha de um caminho é ação irrevogável. A vida e sua análise através de religiosidade e não religiosidade, são a metáfora inserida nesse pensamento.

A leitura filosófica que aqui se percebe, relembra o interesse narrativo e principalmente final de outra obra do diretor: Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998) também possuía uma visão incomum, e buscava analisar uma guerra sob outra ótica, sob uma análise argumentativa, em que, naquele caso, combatentes sofriam física e psicologicamente às destruições por eles mesmos causadas, ao interesse de buscar justificativas maiores sobre aquela violência exagerada.

Dessa forma, a filmografia deste talentoso diretor não deixava dúvidas sobre a construção de seu último longa e, assim, reclamar da opção narrativa de A Árvore da Vida é reconhecer desconhecimento nos filmes anteriormente realizados por Malick.

É interessante perceber, no entanto, a atenção dada pelo diretor na construção de sua jornada ao Universo, onde detalhes e simplicidades da natureza e do cotidiano da vida humana são as ferramentas para buscar toda essa profundidade almejada. De infinitos cortes, por vezes até demasiados – acredito poder julgar – o filme constrói aparentemente sem nenhuma pressa todo esse clima sensorial, seja no enfoque a uma cachoeira, a uma planta, a uma água-viva e ao cotidiano da família central da trama, até a imensidão do Cosmos, uma busca paciente em contrapor a real grandeza material do Universo.

 
 
Sem dúvida, A Árvore da Vida apresenta inúmeras características para se comparar à obra – para mim – máxima de Stanley Kubrick. 2001 – Uma Odisséia no Espaço contém traços singulares e muito característicos, a destacar-se a inigualável vontade de mostrar a imensidão do Universo, algo que Malick não apenas se assemelhou como referenciou claramente nessa obra. Da película de Kubrick, o espaço aberto à subjetividade, o convite à interpretação incansavelmente solicitada na obra clássica, torna ímpar a experiência de assisti-lo. E, não menos importante, a forma como se finaliza toda essa jornada, discutindo o perigo sobre o futuro da inteligência humana, cessa qualquer dúvida a respeito das maiores intenções de 2001. Essas similaridades todas, em maior ou menor escala, estão presentes na película de Malick. Daí a necessidade de relembrar as semelhanças dos dois filmes: A Árvore da Vida é, sem dúvida, o 2001 de Terrence Malick.

É perceptível, ainda, o acertado desinteresse em fechar a obra com uma possível visão parcial e imponente sobre toda a sua jornada. Seria de grande incoerência, entretanto, que víssemos um final coeso, de forma quase palpável, sobre as intenções maiores e mais profundas do diretor. Maior seria, inclusive, a inocência do espectador em crer que isso se realizaria, senão um final aberto, a convidá-lo a interpretar com sua experiência vivencial se ele mesmo é capaz de encontrar razões para entender tão bem a obra, assim como o homem, em sua maior arrogância, julga entender a vida.


Destaque sonoro:




 

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