Crítica: A Vida É Bela


Existe uma máxima na psicologia que diz que a resposta para todas as perguntas sempre pode ser "depende". Ou seja, sobretudo, desconsidera a própria certeza quanto à essa afirmação. Contudo, a afirmação aparentemente tão imponente do título de A Vida é Bela (La Vita È Bella, 1997), soa interpretativa ao término de seus 110 minutos. O longa abre oportunidade para diversas análises, diversas interpretações, sobretudo no espírito humano que ele empreende. É uma oportuna e grande visão otimista da vida.

Mas engana-se quem pensa que o filme sustenta-se na visão angelical de seu título. Dotado de grande genialidade e inspiração, Roberto Benigni dirige e estrela este longa que marcou época e arrecadou inúmeros prêmios no ano de seu lançamento, inclusive de melhor filme estrangeiro no Oscar; e reforça a imagem de grandes diretores e longa-metragens que a história da filmografia italiana não deixa mentir. Visivelmente dividido em dois momentos, A Vida É Bela transcorre a simples vida de Guido (Benigni), um rapaz cheio de energia que transpira felicidade e simpatia ao mudar-se para a cidade. Sua capacidade de interpretar todas as situações mais banais do cotidiano de maneira tão sorridente chega a ser exagerada, mas salva-se na magia, na sinceridade daqueles sorrisos orelha-a-orelha que não deixam o clima dramático ser piegas.

Este é um tipo de filme que nos consome lentamente sem nos pedir licença, que nos influencia a cada minuto, nos conquistando com uma capacidade exageradamente impossível, até retornarmos à realidade e perceber que aquele nosso tímido sorriso se deixou escapar o tempo todo. Nesses convites à felicidade, à alegria, ao otimismo, Benigni dirigi-se sem nenhuma inocência sobre aquilo que deseja propor. A ingratidão da vida é um tema recorrente mas não explícito. A capacidade da interpretação à dramática história de um pai exaustivamente amável é presente. Essa sutil diferença é o que fará o espectador considerar a obra como mais um drama impossível ou identificá-lo como uma triste e recorrente realidade daquilo que tanto quem assiste quanto aquele que nos faz companhia numa grata sessão de cinema alimenta a cada dia.

Os sorrisos sinceros dão lugar à apreensão. Guido é um judeu, e, não-surpreendentemente, sofrerá intensa repreensão nazista por sua origem. Alguns pontos importantes devem ser observados com maior atenção. Nós, espectadores, somos inconscientemente "obrigados" a perceber aquele cidadão em sua essência, numa verdade indiscutível de um rapaz que escolheu a felicidade para comandar seu cotidiano. Vemo-os ao natural, sem julgamentos ou distinções. Não há possibilidade para a interpretação dos atos daquele personagem até tomarmos consciência do que Guido viria a nos apresentar. Assim, o segundo momento do filme explica muitos pontos e tantas divergências com o primeiro momento, que sustenta-se basicamente no cotidiano do rapaz e sua migração para a cidade até encontrar a pessoa que decide se casar, Dora (Nicoletta Braschi), uma não-judia.

O segundo ponto do filme apresenta Giosué (Giorgio Cantarini), filho do casal. Giosué, é, na verdade, a representação da inocência e da capacidade de pureza do espírito humano, se analisarmos com mais profundidade. Benigni mais uma vez utiliza de grande capacidade interpretativa para propor ao espectador uma análise inconsciente da situação e do drama pai-e-filho que perdura por mais de quarenta minutos. A beleza-título do filme se reapresenta com muito mais intensidade e profundidade na face sincera deste pequeno menino condenado à pagar por aquilo que não fez, e mostrar aos adultos aquilo que deveriam ser. É uma beleza indescritível. O amor é a beleza que se esconde atrás de uma relação inesperada.

Num campo de concentração todos imaginam o que pode acontecer. Todos aqueles que detém suas mentes deturpadas e vacinadas pela triste noção do mal, seja qual for a finalidade de qualquer intenção de guerra. Essa capacidade de destruição e rejeição à outra raça, à outra etnia ou grupo religioso inexiste para o pequeno garoto. É irônico, mas se assistimos o filme e sabemos da possível finalidade da história, sabemos que perdemos a virgindade de nossa mente pura e sã, e invejar alguém que está a beira da morte mas não  tem consciência do fato é, no mínimo, controverso. É isso que mais choca.



Filmes tem a vantagem de inventar/criar uma situação hipotética para representar com maior ênfase aquilo que a vida real por alguns momentos não consegue demonstrar; e este longa parece saber utilizar essa vantagem a seu favor. A consciência da morte para Guido é real, já para Giosué se passa como uma suspeita. O jogo irreal criado pelo pai para tornar o restante da vida de seu filho tão puro e inocente quanto o resto de sua recente vida preenche todas as lacunas de um intenso drama, que mistura temperos de irrealidade para representar uma realidade distorcida. Ao descobrirmos essa verdade, a nossa vida deixa de ser bela.

Tudo se desenrola para um final aberto, daqueles que faz o espectador torcer para o bem daqueles personagens que há pouco mais de uma hora nos convenceram que era exagerada tamanha condenação. Mas a opção do término disso tudo é coerente à vida, e mais valerá ao espectador aprender com a dor da realidade do que maquiá-lo com uma beleza inexistente.


Destaque sonoro:




 

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